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sábado, 30 de julho de 2011

Rosto e não-rosto



Será que eu já disse? Aprendo a ver. Sim, estou começando. Ainda é difícil. Mas quero aproveitar o meu tempo.
Eu nunca tinha percebido, por exemplo, que existam tantos rostos. Há um número imenso de pessoas, mas o número de rostos é muito maior, pois cada uma delas possui vários.
Há pessoas que ostentam um rosto por anos a fio, e, obviamente, ele se gasta, fica sujo, rompe-se nos vincos, alarga-se como as luvas que usamos durante a viagem. São pessoas parcimoniosas, simples; não o trocam, nem sequer mandam limpá-lo. Esse é bom o bastante, dizem elas, e quem poderá lhes provar o contrário? Pergunta-se, todavia, visto que possuem vários rostos: o que fazem com os outros? Elas os guardam. Seus filhos devem usá-los. Mas também acontece de seus cães saírem com eles por aí. E por que não? Rosto é rosto.
Outras pessoas trocam os seus rostos extraordinariamente depressa, um após o outro, e os gastam pelo uso. Parece-lhes, de início, que os teriam para sempre, porém, mal chegam aos quarenta, e eis o último. Isso tem, é claro, a sua tragicidade. Elas não estão acostumadas a poupar rostos, o último se gastou em oito dias, tem buracos, está fino como papel em muitas partes, e então, pouco a pouco, revela o que há por detrás dele, o não-rosto, e elas andam com esse não-rosto por aí.

Rainer Maria Rilke [Os cadernos de Malte Laurids Brigge]

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